Biografias Desconhecidas: Bosko, o Tintas (e Honey)

AVISO: O tema que será apresentado é sobre uma personagem que poderá ser controversa nos dias de hoje pela sua caracterização racial. No entanto, esta publicação servirá apenas para apresentar a personagem no contexto histórico e socio-cultural da época da sua criação.


Bosko, o Tintas (personagem)

     Hoje, apresento-vos a personagem que iria dar origem aos Looney Tunes, com origens Disney e que, na sua era clássica, terminou a sua carreira no estúdio de Tom e Jerry. Falo-vos claro de Bosko, the Talk-Ink Kid, ou Bosko, o Tintas (segundo uma legendagem oficial num DVD lançado pela Warner Bros. cá em Portugal).

    Comecemos então pelas suas origens. Não podemos falar na história do Bosko sem mencionar as duas pessoas que o criaram. Em 1927, Hugh Harman e Rudolf Ising, dois animadores norte-americanos, trabalhavam para a Walt Disney Studios na produção da série de curtas-metragens do Oswald, o Coelho Sortudo e anteriormente na série de curtas Alice Comedies, uma das primeiras produções a juntar animação tradicional com imagem real. E é aqui que começa a origem Disney. Harman e Ising já tinham planos em aproveitar a nova moda dos talkies, os primeiros filmes sonoros da época (alguns só parcialmente sonoros), ainda antes sequer de Walt Disney tomar a mesma decisão.

Bosko e Honey

    Após o erro cometido por Walt Disney em relação aos direitos do Oswald, Harman e Ising registaram os direitos de autor de uma personagem de etnia negra com o nome Bosko a 3 de janeiro de 1928, garantindo então que fossem eles os detentores dos direitos de autor e não o estúdio. Mas ainda assim, os dois animadores mudaram-se para a Universal para continuar com a produção das curtas do Oswald, isto até abril de 1929.

    Com a saída da Universal, em maio de 1929 é produzida a curta-metragem simplesmente intitulada de Bosko, the Talk-ink Kid, que serviria como um episódio piloto para uma nova série de curtas-metragens com a personagem como protagonista. Embora não tenha um enredo, a curta serviu para demonstrar o sincronismo da imagem com o som, algo que foi aperfeiçoado com o tempo (apesar dos estúdios Fleischer terem demonstrado a possibilidade ainda em 1926). Muito mais tarde, iriam incluir Honey como namorada de Bosko e co-protagonista das curtas, como Bruno, o cão, como personagem secunária.

Bosko, o Tintas (curta-metragem de 1929)

    Leon Schlesinger ficou impressionado com o filme de teste e propôs a Hugh Harman e Rudolf Ising um contrato para que trabalhassem no seu estúdio para a Warner Bros., e é assim que nasce uma série de curtas-metragens chamada nada mais nada menos que Looney Tunes. Sim, a série de curtas que hoje associamos a personagens como Bugs Bunny, Daffy Duck, Porky Pig, Silvestre e Tweety começou com esta personagem.

    Uma das inspirações para Bosko foi a personagem interpretada por Al Jolson no filme The Jazz Singer (ou O Cantor de Jazz, traduzindo para português), um filme da Warner Bros. parcialmente sonoro. Contrariando o que está descrito nos registos de direitos de autor, Ising afirmou que Bosko é uma criatura de tinta que não é nem humano nem um animal, apesar de se comportar como um rapaz. Mas ainda assim, e como o historiador Leonard Martin, Bosko é uma versão em desenho animado de um rapaz novo de etnia negra que fala com um sotaque afro-americano da região sul do país.

    Embora pareça uma representação negativa do estereótipo das pessoas de etnia negra, Bosko e Honey conseguiram, aos olhos de algumas pessoas, demonstrar que podiam perfeitamente representar uma minoria de forma não-ofensiva. Afinal, Bosko e Honey eram simplesmente personagens de ficção que agiam como pessoas ditas normais, ignorando aspetos raciais. Aliás, a única vez que Bosko poderá ter gerado alguma controvérsia (segundo as mesmas pessoas) foi na curta-metragem de 1930 intitulada de Congo Jazz, em que Bosko aparece com um macaco e um gorila. A controvérsia deve-se ao facto das três personagens serem parecidas entre si, fazendo com que Bosko seja visto como um humano por comparação do tamanho e pelas suas roupas.

    Bosko seria então o rival do Rato Mickey nas bilheteiras. A nível de enredo, as curtas do Bosko perdiam, mas as pessoas gostavam da inovação que era ver um desenho animado com som e música. A vantagem que o Bosko tinha era a utilização da biblioteca de músicas da Warner Bros., o que permitia a utilização das músicas populares na época, enquanto que Walt Disney só conseguia utilizar músicas em domínio público. Com um orçamento menor que as curtas da Disney, Harman e Ising eram obrigados a reciclar ainda mais animações entre filmes.

    Em 1933, devido a desacordos relacionados com os orçamentos das curtas, Harman e Ising terminaram o contrato com Schlesinger. Bosko seria então substituído por um rapaz caucasiano chamado Buddy.

    Como aprenderam a lição com Walt Disney, Harman e Ising conseguiram assegurar os direitos de autor de Bosko e de Honey e conseguiram utilizá-los numa nova série de curtas para a MGM, a Happy Harmonies, que estreou em 1934 com a curta Bosko's Parlor Pranks. Bosko manteve o seu design original nas primeiras duas curtas para a MGM, tendo sido ainda recicladas animações feitas originalmente para os Looney Tunes. Para além das curtas, foram também produzidas tiras de banda desenhada para jornais.

Bosko, on Cannibal Isle (tira de banda desenhada de 1934)

    No entanto, Bosko recebeu um redesign novo a meio de 1935, parecendo-se ainda mais com um rapaz de etnia negra, semelhante em design com Inki (dos Looney Tunes criada por Chuck Jones). Apesar de partilhar o mesmo nome com o seu design anterior, algumas pessoas consideram que se trata de uma personagem diferente.

Bosko e Honey com o redesign em Bosko's Easter Eggs (1937)

    Devido à má receção das 7 curtas com o redesign, a personagem foi descontinuada em 1938. Ainda assim, Ising e Harman foram despedidos e substituídos por Fred Quimby até este último os contratar novamente. E se este último nome vos é familiar, é porque viram as curtas que ele produziu de Tom & Jerry, apesar de terem sido criadas por William Hanna e Joseph Barbera.

    Bosko apareceu em 39 curtas metragens da Warner Bros. (sendo que a primeira servia como um episódio piloto para o estúdio, não tendo sido lançada ao público até muito mais tarde) e 9 curtas para a MGM.

    Desde os anos 50, as curtas de Bosko passaram nas televisões norte-americanas, em conjunto com as outras curtas de Buddy e de outras personagens de Looney Tunes e Merrie Melodies.

    Nessa mesma altura (em 1957, para ser mais exato), Hugh Harman permitiu a publicação de um livro para colorir com Bosko desenhado com o seu design original... mas como um macaco adicionando uma cauda... Na minha opinião, isto seria um caso de racismo ainda mais grave que antes.

    Harman conseguiu tal pruesa visto que ele ainda detinha os direitos de autor de Bosko, Honey e Bruno.

Bosko: Star of Looney Tunes - Coloring Book (1957)

    É em 1992 que Bosko sairia de rotação da transmissão das curtas dos Looney Tunes no Nickelodeon, de forma a favorecer a transmissão de curtas mais recentes e a cores. Até os reclames ao bloco faziam referência a isso.



    Em 1990, Bosko e Honey iriam regressar numa nova produção da Warner Bros.. Para evitar controvérsias em relação à sua etnia, estes receberam novamente um novo redesign, sendo agora cães antropomórficos, para o episódio da série Tiny Toon Adventures intitulado de Fields of Honey, sendo uma paródia ao filme Campo de Sonhos, de 1989.

Bosko e Honey numa curta fictícia
do episódio Fields of Honey (Tiny Toon Adventures, 1990)

     Para esclarecer alguma dúvida sobre o regresso dele à Warner Bros., devo dizer que os direitos da personagem acabariam por voltar para o estúdio de origem visto que atualmente a Warner tem os direitos de autor de muitas das produções da MGM após a Time Warner ter comprado a Turner Entertainment. Também foi assim que a Warner conseguiu recuperar as curtas dos Looney Tunes pque haviam sido vendidas para a Associated Artists Productions em 1948.

    Também é possível que os herdeiros de Ising e Harman tenham devolvido os direitos de autor à Warner Bros ou a outra entidade envolvida nas aquisições da Turner e da Time Warner de forma a que esta "voltasse a casa".

    Bosko ainda acabaria por receber cameos em Animaniacs, Space Jam e nas bandas desenhadas dos Looney Tunes publicadas pela DC.

Bosko em The Girl with the Googily Goop (Animaniacs)

Retrato do Bosko em Space Jam (1997)

Capa da edição nº 125 das bandas desenhadas dos Looney Tunes (DC, junho de 2005)

3ª página de His and Hermit (Looney Tunes (DC), nº235, março de 2017)

    E as personagens foram dobradas em Portugal? Sim, mas infelizmente só há registo do Bosko. Embora se desconheça quem deu a voz ao Bosko, sabemos que a dobragem foi produzida pela Gravisom. Se eu tivesse que dar um palpite, diria que foi ou o Vítor Nobre ou o José Boavida quem dobrou. Existem duas curtas metragens que foram dobradas: Bosko no Bosque (Bosko's Woodland Daze, de 1932) e A Corrida (Off To The Races, a versão redesenhada de Ups 'n Downs de 1931).

Versão redesenhada de Bosko no Bosque (Bosko's Woodland Daze, 1932)

    Apesar das controvérsias do passado, estou contente que a Warner Bros. não se tenha esquecido de todo a personagem que iria dar origem à criação da personagens que formam os Looney Tunes hoje em dia. Afinal, pode-se dizer que ele foi o primeiro Looney Tune!

    E como já dizia o Bosko antes do Porky adotar a frase, "E é tudo, malta!".

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